Pe. Alfredo J.
Gonçalves, CS
João Ubaldo Ribeiro escreveu a obra “Viva o Povo Brasileiro”. Aliás, um
trabalho de mestre: releitura fictícia da história do Brasil a partir da
cultura negra. Neste momento de euforia por parte das autoridades
governamentais e da publicidade, poderíamos parafrasear o escritor com a
saudação de “Viva a classe média brasileira!”. Segundo os dados, já ultrapassa a
casa dos 100 milhões de cidadãos!
Sorrateiramente, porém, levanta-se uma pergunta
incômoda e inquieta: qual o critério para medir a passagem da pobreza à classe
média? Os beneficiados das políticas compensatórias, por exemplo, podem ser
chamados de nova classe média? Classe média sujeita à ajuda permanente do
Estado ou classe média capaz de caminhar com as próprias pernas? A pergunta
pode ser feita de outra forma: onde está a tão alardeada classe média?
Grande parte desta, ao que parece, continua morando
nas periferias das grandes e médias cidades, até mesmo em favelas e cortiços.
Tem esgoto a céu aberto e nem sempre conta com água encanada; desloca-se como
“sardinha em lata” no transporte coletivo, ou perde horas diárias no trânsito
caótico. Vive sob o signo do medo e da violência, sem a proteção do Estado e
muitas vezes conforme os ventos incertos do crime organizado. Dificilmente
consegue matricular os filhos em escolas particulares e tem de contentar-se com
o ensino público de qualidade nem sempre confiável... A isso chamamos de classe
média!
Mas essa nova fatia da população brasileira pode
consumir! Aí está um dado que as autoridades e o mercado podem comemorar com
grande euforia. Viva, pois, o consumo da classe média brasileira. Agora ela
pode comprar carro, TV de não sei quantas polegadas, móveis, eletrodomésticos,
e assim por diante. No entanto, aqui se erguem novamente uma série de dúvidas.
Se o critério para vencer a fronteira entre uma classe e outra permanece o
consumo individual e familiar, onde estão os investimentos do Estado em termos
de infraestrutura?
A única política pública que vem se destacando por
parte dos governos federal, estadual e municipal parece ser o incentivo ao consumo,
através de um marketing apelativo, estridente e por vezes agressivo, para não
dizer irresponsável. Disso resultam sinais preocupantes de uso e abuso de
cartões de crédito, crescimento dos percentuais de inadimplência, devolução de
produtos impagáveis, nome sujo na praça... Enfim, dívidas sobre dívidas!
No fundo, uma robusta classe média requer um padrão
de investimento público igualmente robusto. Condições de vida e trabalho sadias
e duradouras: malha viária e ferroviária para o transporte público urbano e à
distância; ensino fundamental de qualidade e gratuito, com perseverança dos
alunos; sistema de saúde sem os acidentes quase diários de falta de atendimento,
filas, demora, e erro médico; segurança sem os efeitos colaterais da truculência,
tortura e extermínio de jovens e adolescentes; reforma agrária e política
agrária no campo, com apoio ao pequeno produtor e à agricultura familiar; rede integrada
de portos e aeroportos...
Não é isto o que se vê na sociedade brasileira. Há
muito que fazer em termos de políticas públicas efetivas, voltadas para essa
mesma classe média, que ainda amarga uma situação endêmica de carência e
precariedade. Receber ajuda do Estado para o consumo é algo que evidentemente
amplia os direitos do cidadão. Mas como fazê-lo tornar-se protagonista de sua
própria trajetória de existência? Convém não esquecer que o pão da dignidade
humana vem do suor do rosto, ao passo que “o pão da esmola vem regado pelas
lágrimas da vergonha”, como costuma dizer, ainda em décadas passadas, o
jornalista Mauro de Santayana.
O consumo, em princípio não é bom nem mau. Todo
cidadão tem suas necessidades e o direito aos bens do progresso. Mas, se e
quando desacompanhado de uma infraestrutura de formação (em nível pessoal) e um
horizonte de oportunidades (em nível social), o mesmo consumo pode tornar-se
freneticamente febril, impulsivo, doentio. O estímulo às compras pressupõe uma
base sólida de serviços públicos. Para isso servem os impostos cujo montante,
no Brasil, nada deixa a desejar. O que deixa a desejar é o uso correto de
tamanha carga tributária. O termo carga, neste caso, nada tem de metafórico e
exige um retorno por parte dos governos.
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