30/10/2012 - 04h40
Seca no
Nordeste causa migração 'fora de hora' ao interior paulista
JULIANA COISSI
ENVIADA A GUARIBA E PONTAL (SP)
ENVIADA A GUARIBA E PONTAL (SP)
Os planos para 2012 já estavam traçados na cabeça de Antonio
Romárcio Pereira, 24. Ele iria ajudar o pai e os quatro irmãos mais velhos na
colheita do milho e do feijão na terra onde a família vive, em Ipiranga do
Piauí (PI).
O caçula estava disposto a não tomar o caminho até o interior de
São Paulo, como havia feito nos últimos quatro anos, para cortar cana.
Mas a chuva --na verdade, a completa falta dela-- arruinou a colheita e o colocou na rota dos canaviais paulistas.
A seca histórica no Nordeste, a pior dos últimos 50 anos, tem empurrado Pereiras e outros "fugitivos" para diversas cidades paulistas, que estão em plena safra da cana-de-açúcar, e até para outros Estados."A seca está esparramando muita gente pelo Brasil afora", diz o padre Antonio Garcia Peres, coordenador nacional de temporários rurais da Pastoral do Migrante, ligado à Igreja Católica.
Mas a chuva --na verdade, a completa falta dela-- arruinou a colheita e o colocou na rota dos canaviais paulistas.
A seca histórica no Nordeste, a pior dos últimos 50 anos, tem empurrado Pereiras e outros "fugitivos" para diversas cidades paulistas, que estão em plena safra da cana-de-açúcar, e até para outros Estados."A seca está esparramando muita gente pelo Brasil afora", diz o padre Antonio Garcia Peres, coordenador nacional de temporários rurais da Pastoral do Migrante, ligado à Igreja Católica.
Atualmente, cerca de 60 mil nordestinos migram a cada ano para o
norte e nordeste de São Paulo, segundo a pastoral. A maioria trabalha com a
cana, mas a construção civil já atrai 20% dessa mão de obra.
Na região de Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo), o maior
volume chega nos primeiros três meses do ano para garantir o emprego nas usinas
de cana, cuja safra começa em abril. E a volta à terra natal só ocorre no fim
do ano.
Neste ano, porém, segundo Peres, há migrantes "fora de
hora", que chegaram em maio, junho, julho e até agosto. Boa parte, como o
piauiense Pereira, foi forçada pela seca.
Não há contagem oficial de quantos são esses temporões.
Em Botuporã, cidade baiana de 11.154 habitantes, saíam no meio do
ano passado de dois a três ônibus com migrantes toda segunda-feira. Nesta
metade de ano, são cinco a sete ônibus, diz a irmã Lucia Antonia Bonk, da
pastoral em Botuporã.
COBERTOR E ENXOVAL
Na ponta de chegada, cidades canavieiras de São Paulo, como Pontal
(351 km de São Paulo), já sentem o impacto.
"Quando eles vêm na época de contratação, as usinas dão plano
de saúde. Mas, depois, fica por conta da rede de saúde da prefeitura",
afirma o prefeito Antonio Frederico Venturelli Junior (PSD).
Em meados deste ano, a prefeitura socorreu famílias carentes,
muitas delas migrantes, com 300 cestas básicas por mês. Na mesma época, em
2011, as cestas eram metade.
E não só comida: em Pradópolis (315 km de São Paulo), a prefeitura
tinha, até março, 2.300 cadastrados para receber cesta básica, cobertores, gás,
remédios e até enxoval de bebês. Hoje, já são 3.000.
Cícera Gomes Siqueira, 30, de Timbiras (MA), chegou há dois meses
a Guariba (337 km de São Paulo) com os quatro filhos. Todos já estão na escola
da prefeitura.
O marido, Domingos Teixeira Lima, 45, veio na frente, no final de
março. Adiou a decisão de deixar para trás a roça de arroz o quanto pode, mas,
neste ano, nada colheu.
"É ruim, porque a gente fica pensando no futuro dos filhos.
Trouxe eles porque não tinha como ficarem lá com a seca."
Mercado exigente exclui
migrantes, afirma professor
DE RIBEIRÃO PRETO
As dificuldades enfrentadas pelos
migrantes do Nordeste e do norte mineiro não terminam quando deixam a seca para
trás e chegam às cidades canavieiras paulistas.
É comum para muitos deles a situação de
não encontrarem emprego no campo ou na cidade pela falta de qualificação
profissional, afirma o economista Francisco José da Costa Alves, professor da
UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e pesquisador de migração.
Essa capacitação maior do trabalhador
tem sido exigida, por exemplo, na construção civil, afirma o economista.
Há mais demanda para funções como
ladrilheiro e carpinteiro, que exigem mais especialização, e menos para
ajudante de pedreiro, que é uma atividade para os iniciantes.
"Por conta dessa qualificação e da
safra, que já está indo para o seu final, se não encontram emprego, eles
sobrecarregam os parentes com quem estão hospedados."
A situação acaba por provocar, afirma
Alves, uma segunda exclusão.
"A primeira foi provocada pela
seca, e, aqui [no interior paulista], pela incapacidade do mercado de trabalho
em absorvê-los", comenta.
Para as cidades que recebem os
migrantes, um dos impactos na rede pública é o de sobrecarregar os serviços de
saúde, de assistência social e de creches e escolas.
Por outro lado, afirma o docente, um
aspecto positivo é que essa população flutuante acaba por movimentar a economia
de mercados e de pequenos comércios das redondezas. (JC)
ANÁLISE
A natureza não é a
responsável pela fuga dos nordestinos
MARIA APARECIDA DE MORAES SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em 1977, ao prefaciar Elegia para uma
re(li)gião, o professor Francisco de Oliveira, em sua arguta análise, utiliza o
termo nordesterrados com o intuito de revelar não apenas as circunstâncias
históricas, geográficas, políticas e sociais da "região" Nordeste,
como também para (re)significar a vida cigana de vaivéns constantes de milhares
de pessoas que se deslocam, sobretudo, para a "região" Sudeste do
país.
Acompanhando a história do
desenvolvimento do capitalismo em São Paulo, observa-se que, desde o final da
escravidão, houve a presença de trabalhadores migrantes do Nordeste, chamados
nacionais, para diferenciá-los dos estrangeiros - italianos, espanhóis,
alemães, japoneses, dentre outros.
Enquanto estes últimos eram empregados
como colonos nas fazendas cafeeiras, os primeiros desempenhavam as perigosas
tarefas de "limpeza" do terreno, isto é, derrubada das matas naturais
e matança dos povos indígenas, primeiros habitantes do território paulista.
Assim, se consubstanciou o processo de
formação das fazendas cafeeiras nas primeiras décadas do século 20. Na
sequência, os nacionais foram contratados como camaradas -trabalhadores avulsos
-que realizavam outros serviços, como roçada de mato, construção de cercas etc.
Com o surgimento das grandes usinas
sucroalcooleiras, nos finais de 1950, em virtude do declínio sucessivo das
fazendas de café e do colonato, intensifica-se a demanda de força de trabalho,
principalmente, para o corte manual da cana de açúcar.
A partir de então, milhares de
nordestinos, além dos mineiros do Vale do Jequitinhonha, aportam-se aos
canaviais paulistas, na condição de migrantes temporários. Após o final da
safra, regressam aos seus lugares de origem, para, no ano seguinte, reiniciarem
a mesma caminhada.
Esse vaivém de centenas de milhares de
pessoas, durante mais de 60 anos, caracteriza-se pelo processo de migrações
permanentemente temporárias. São eternos migrantes, ciganos e desterrados.
Nos últimos anos, em razão da
intensificação da mecanização do corte da cana, tem havido mudanças dessas
rotas migratórias. Quem não consegue trabalho nas usinas paulistas dirige-se a
outros Estados ou à construção civil.
Sem sombra de dúvidas, nos períodos de
seca agrava-se a situação econômica, mormente, dos camponeses que ainda possuem
pequenos lotes de terra no semiárido nordestino. A saída é um verdadeiro êxodo
em busca da sobrevivência. No entanto, não é a natureza a responsável pela
partida/fuga, e sim as condições históricas e estruturais dessa
"região" pobre que alimenta a riqueza da outra "região".
Por mais de um século, os severinos aqui chegam e daqui partem.
MARIA APARECIDA DE MORAES
SILVA é socióloga, professora livre docente da Unesp de Araraquara
e do curso de pós-gradução em sociologia da UFSCar; pesquisa sociologia rural e
migração