quarta-feira, 10 de abril de 2013

Nota da CSP-Conlutas e do SINTICMA sobre a greve dos operários em Belo Monte

  SEGUNDA-FEIRA, 8 DE ABRIL DE 2013

A CSP-Conlutas e o SINTICMA (Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da C. Civil e da Madeira de Altamira-PA) estão dedicando todos os seus esforços no apoio à greve dos operários de Belo Monte, que teve início na última sexta-feira.

Acreditamos que esse deve ser o papel de todas as organizações dos movimentos sociais que mantenham um mínimo de compromisso com a luta contra toda forma de injustiça. Nesse caso, especialmente das entidades sindicais, tendo em vista que estamos falando de uma greve por reivindicações básicas de direitos trabalhistas.


Causa-nos repulsa ver a agilidade e voracidade com que organizações do movimento sindical, como fez hoje a FENATRACOP (Federação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Construção Pesada), entidade a qual o SINTRAPAV-PA (Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada do Estado do Pará) tem ligação, que em meio a um conflito trabalhista extremamente oprimido pela a ação da Força Nacional de Segurança e do Batalhão de Choque da Polícia Milita do Pará, lança uma nota à imprensa e simplesmente não tece uma linha em defesa da luta daqueles operários e reproduz o mesmo discurso das empreiteiras do CCBM (Consórcio Construtor Belo Monte).

Todos sabem das inumeráveis mazelas à que estão submetidos àqueles operários e todo o povo trabalhador de Altamira. Belo Monte tem sido palco do resurgimento de todas as heranças malditas do período da ditadura militar, desde as péssimas condições de trabalho, os baixos salários e direitos, a militarização que impera no canteiro até a criminalização dos movimentos sociais como um todo, com prisões de operários e ativistas. Também temos obervado o aumento da criminalidade e os grotescos episódios de exploração sexual espalhados pela cidade e seu entorno. Assim o que se espera é que os movimentos sociais se unifiquem para poder enfrentar os responsáveis por tudo isso, ou seja, o Governo Federal, Estadual e as empreiteiras.

Nesse momento a greve se explica e se justifica pela pauta elaborada e protocolada, junto aos CCBM, pelos próprios trabalhadores com o nosso mais irrestrito apoio. As reivindicações somam 35 itens, entre eles: 40% de adicional por confinamento; baixada de 3 meses para todos; desfiliação geral do SINTRAPAV; fim do 5 por 1; equiparação salarial; fim do desvio de função, entre outros. Como se pode ver uma pauta trabalhista, que por si só, desmente as afirmações contidas na nota da citada federação que “comemora” o acordo firmado pelo SINTRAPAV-PA.

Saibam todos que os operários de Belo monte só têm direito a visitar suas famílias, num intervalo de 90 dias, após completarem 180 dias de trabalho; É isso que está assinado pelo sindicato, dito representante legal da categoria. Pra quem não é do ramo da construção é bom informar que nessas obras a rotatividade gira em torno de 80% anualmente, isso, na prática, leva a que a grande maioria seja privada do direito a ver seus familiares, para ficar em só exemplo.

Chamamos todas as entidades do movimento a apoiar incondicionalmente a luta desses companheiros e denunciar os responsáveis por esta opressão, exploração e repressão, começando por Dilma, pelo Governo do Estado até a omissão e conivência do SINTRAPAV-PA.

Ainda mais agora depois de termos presenciado no dia de ontem (6 de abril) uma operação da Força Nacional “organizando” centenas de operários, que estavam na passeata, para que fossem imediatamente demitidos pelo CCBM, alguns inclusive colocado em uma van, escoltados e retirados de Altamira; um absurdo!

A busca pela unidade de todo o movimento na defesa dos interesses de nossa classe tem sido uma de nossas obsessões e é por isso que, além de estarmos ao lado dos operários e operárias de Belo Monte, estamos organizando, para o próximo dia 24, uma grande marcha à Brasília para denunciar a política econômica do Governo Dilma, dizer não à proposta de Acordo Coletivo Especial e exigir a anulação da reforma da previdência compradas com a corrupção do Mensalão.

Todo apoio à greve dos operários de Belo Monte!
Fora as tropas da Força Nacional de Segurança!
Por salários e direitos iguais em todas as obras do país!


Extraído de: http://cspconlutascorreios.blogspot.com.br/2013/04/nota-da-csp-conlutas-e-do-sinticma.html

segunda-feira, 8 de abril de 2013

“Precisamos rediscutir o que é desenvolvimento e para quem”


Por Keka Werneck, do site do Centro Burnier
Foto: Caio Bruno

















Bruno Milanez explique que a questão é sistêmica e não isolada

O formato da produção agrícola hegemônica, que promove o agronegócio, ou seja, o lucrativo negócio agrícola das monoculturas, não é uma política social isolada no Brasil. Precisa ser entendida dentro de um ideário. Depois do liberalismo, em vigor no país de 1889 a 1930 (Era Vargas), do desenvolvimentismo, em voga dos anos 30 aos 50 (Era Juscelino Kubitschek), da Ditadura Militar, que minou as possibilidades democráticas nas décadas de 60 e 70, e do neoliberalismo de FHC, de 85 a 2002, estamos vivendo sob a égide do neodesenvovimentismo, que vem dando o tom nos últimos anos à gestão pública no país, desde o primeiro Governo Lula até o atual Governo Dilma. Esse ideário evoca o desenvolvimento econômico, ainda que isso afete o meio ambiente e tratore interesses urgentes do povo. Até porque, acredita-se, que se o Brasil crescer, o povo vai melhorar de vida. Mas será?
Entender esse processo histórico e os ideários políticos dos períodos da nossa história contemporânea pode responder a muitas perguntas. Essa é a avaliação do professor de engenharia de sustentabilidade da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Bruno Milanez, que é da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Ele fez a palestra “As macropolíticas de desenvolvimento no contexto nacional: dimensões do neodesenvolvimentismo” durante o Seminário sobre Políticas Públicas em Mato Grosso, realizado pelo Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD), dias 25 e 26 de março, em Cuiabá.
O objetivo do seminário foi “contextualizar a macropolítica econômica, mapear os mega projetos em Mato Grosso (hidrelétricas, hidrovias, ferrovias, produção de commodities agrícolas e mineração), apontar os impactos socioambientais gerados, definir caminhos estratégicos de enfrentamento e de articulação regional e estadual, e apresentar experiências econômicas e de políticas públicas bem sucedidas”.
Para o professor, a agenda neodesenvolvimentista junta Estado e mercado. As megaobras surgem como urgências, nos ramos do petróleo, mineração, agronegócio, celulose, etc., em detrimento das urgências humanas, como saúde e educação. Energia e transporte estão no foco da importância. No entanto, observa-se uma espécie de paralisia hiperativa. “É como se o país estivesse em uma esteira correndo feito louco, mas não sai do lugar”, compara Milanez, que é doutor em política ambiental.
Aliás, a negligência aos limites ambientais, a indiferença ao contexto internacional e a aposta em políticas econômicas consideradas adequadas são a sgrandes marcas do neodesenvolvimentismo. “Mas adequadas para quem e crescimento para que?” – pergunta o professor.
Leia a entrevista.
Por que você trouxe à palestra apenas os últimos ideários políticos do Brasil – liberalismo, desenvolvimentismo, Ditadura Militar, neoliberalismo e neodesenvolvimentismo?
Porque antes disso as políticas públicas não eram tão claras assim, mas se baseavam muito no liberalismo também. Eu fiz esse recorte para ficar mais didático.
O neodesenvolvimentismo é mais ofensivo ao meio ambiente do que os outros ideários?
O que eu percebo, dos anos 30 para cá, é que temos a intensificação da extração de recursos naturais e da poluição pelo próprio crescimento da atividade industrial, mas a questão chave não é que seja mais ou menos sensível à questão ambiental, mas é o tamanho da economia e logo o tamanho do impacto, o papel do Estado como estimulador e propagador desse desenvolvimento. O Estado, que poderia ser um ator de proteção e conscientização, vem como indutor de ações degradantes. A maior preocupação na transferência do neoliberalismo para o neodesenvolvimentismo é a ação do Estado em si e não necessariamente se ele é mais ou menos degradante.
A política neodesenvolvimentista é um conjunto de ideias?
Sim, é uma proposta de desenvolvimento. Não está totalmente inserida dentro deste Governo (Dilma), mas vai se tornando cada vez mais hegemônica, desde o Governo Lula.
Mas há contradições nesse projeto, porque, se de um lado se fala em megaobras em prol do desenvolvimento, mas, pelo que você falou na palestra, essas megaobras não têm trazido o desenvolvimento real e nem vida digna para o povo brasileiro.
A contradição se dá pela definição do que venha a ser desenvolvimento. Nessa perspectiva neodesenvolvimentista, o desenvolvimento se mede muito pelo crescimento econômico. Na perspectiva deles, vão dizer: sim, existe um desenvolvimento. Mas se você tiver outra leitura do que venha a ser desenvolvimento – qualidade de vida, respeito às tradições locais, respeito às formas e tempos locais de se reproduzir e produzir – vai ver que então não há desenvolvimento. Então, a questão básica é que precisamos rediscutir o que é desenvolvimento e para quem.
O projeto neodesenvolvimentista está afinado com o de outros países na atualidade?
O que a gente vê é na América Latina, principalmente Brasil. O neodesenvolvimento tem uma ligação muito forte com o neoextrativismo, que também está muito forte em países como por exemplo Venezuela, Bolívia, Argentina, Chile. Fora da América Latina, podemos citar também a China.
Em todos esses lugares se vê também a ofensa ao meio ambiente?
Sim, muitos conflitos locais, principalmente devido ao extrativismo.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Pampa: um espaço de transição. Entrevista especial com Marcelo Dutra


Pampa: um espaço de transição.

Entrevista especial com Marcelo Dutra

“Precisamos reinventar a política ambiental do Rio Grande do Sul, que precisa ser menos pessoal ou menos baseada nas relações pessoais. O mérito por conhecimento precisa ter mais espaço na política ambiental dos estados, sem prejulgamento de partidos ou regulações impostas por interesses”, diz o ecologista. 

Confira a entrevista. 

As paisagens distintas do Pampa gaúcho estão sendo “gradualmente alteradas ou simplesmente perdidas”, alerta Marcelo Dutra em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Apesar do predomínio da silvicultura na região, atualmente é a cultura da soja que tem preocupado os ambientalistas. Segundo ele, muitos produtores estão aproveitando a supervalorização desta commodity no mercado, e “o que se vê é soja plantada por toda parte. A soja é uma cultura antiga no Pampa, muito comum na região norte do Estado. Entretanto, nunca se viu tamanha produção. Chega a impressionar o volume de áreas convertidas”.

Na entrevista a seguir, Dutra também propõe uma nova compreensão acerca do Pampa, a partir da constatação de que este é um espaço heterogêneo e complexo. “A importância maior desse trabalho, para além do novo olhar que estaremos imprimindo sobre esse sistema, é que estaremos dizendo que o IBGE e muita gente se equivocou em definir essa grande área como um bioma, sem na verdade ser exatamente isso. Não vejo nenhum problema em considerarmos essa região um espaço de transição, pois é o que realmente parece ser, um ‘Espaço de Transição’”. E dispara: “Podemos chamar de ‘Zona de Tensão’, ou de ‘Grande Ecótono’, ou de ‘Complexo Vegetacional’, ou, ou, ou... Mas o que não dá para chamar é de bioma”.

Marcelo Dutra é graduado em Ecologia, mestre e doutor em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Agronomia, da Universidade Federal de Pelotas. É professor da Universidade Federal do Rio Grande - FURG.

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – Como descreve as macrofisionomias e paisagens que compõem o bioma Pampa? 

Marcelo Dutra da Silva –
 A Região dos Pampas compreende um complexo de fisionomias, com paisagens distintas, que vêm sendo gradualmente alteradas ou simplesmente perdidas frente aos usos e formas de uso da terra, as quais variam e avançam sobre os espaços naturais remanescentes. O Pampa apresenta valores significativos de áreas naturais perdidas, compondo um mosaico que mistura diferentes tipologias de uso rural em meio a um vasto espaço natural.

Inúmeras áreas desse bioma foram reconhecidas pelo Ministério do Meio Ambiente como prioritárias à conservação, com base na riqueza de espécies, endemismos e fatores abióticos específicos. No entanto, extensas áreas de campo natural vêm sendo convertidas em culturas anuais, como soja, trigo e arroz, além dos cultivos florestais que surgem como mais um elemento potencialmente transformador da paisagem. Marcam os aspectos fisionômicos desse bioma as feições físicas dos terrenos, as quais repercutem compondo paisagens e organizações complexas. A paisagem do Pampa apresenta quatro macrofisionomias, cada uma delas, grosso modo, ajustadas ao tipo físico dos terrenos. A fisionomia que melhor caracteriza o Pampa corresponde aos campos da campanha, na fronteira oeste, onde predomina a cobertura vegetal do tipo estepe. Composta de campos relativamente uniformes, sobre relevos suaves ou de coxilhas, nessa paisagem a pecuária se apresenta como o uso dominante e como o tipo de uso que parece melhor se ajustar, sem comprometer esse tipo fisionômico.

Na Serra do Sudeste, no centro do Pampa, predomina o mosaico campo e floresta, associado aos terrenos dobrados e rochosos, de solos rasos e pouco férteis. Essa é a fisionomia com melhor índice de conservação dentro do Pampa, talvez por conta das limitações impostas ao uso e manejo dos terrenos. Na encosta da Serra do Sudeste, em terrenos rochosos, porém bem mais dobrados, o ambiente de floresta assume a cobertura dominante, ainda que bastante fragmentada e reduzida, num processo que começou no final do século XIV, quando do estabelecimento das primeiras colônias alemã e italiana no sul do estado. No litoral, sobre os terrenos planos e arenosos da Planície Costeira, volta a predominar o campo, incluindo áreas úmidas de banhado, dunas e matas de restinga. Sobre essas fisionomias predomina o cultivo do arroz associado à pecuária. Em menor extensão também está presente o cultivo do pinus, que tem despertado preocupações, uma vez que apresenta grande poder de dispersão e vem se alastrando, contaminando o espaço aberto do litoral.

IHU On-Line – Quais são as principais transformações que vêm ocorrendo no bioma?

Marcelo Dutra da Silva –
 O Pampa continua sofrendo forte pressão pela agricultura, que avança sem controle sobre os remanescentes naturais, formando novas áreas de cultivo. A pecuária ainda não se reestabeleceu e não vejo sinais de que consiga num prazo curto. O desmatamento ainda é uma realidade, mas o percentual de áreas cobertas com floresta é pequeno e está associado às pressões da pequena propriedade, que tenta sobreviver do cultivo de subsistência e na exploração imposta pela produção de fumo. O plantio comercial de eucalipto continua sendo uma ameaça importante, mas a dispersão do pinus, no litoral, compreende uma das transformações espaciais mais severas do momento, que está decompondo a paisagem costeira, de forma silenciosa e quase sem ser percebida. Também no litoral, as áreas úmidas vêm sendo rapidamente suprimidas, particularmente nos centros de maior urbanização, por exemplo: na cidade de Pelotas, no extremo sul gaúcho. E para além das pressões impostas pelo uso, as espécies invasoras permanecem avançando sobre os terrenos, fragmentando habitats e expulsando espécies por competição.

IHU On-Line – O senhor menciona que além da produção de eucalipto há, no bioma, uma explosão da safra de soja. Desde quando a cultura vem sendo introduzida no bioma e quais as implicações?

Marcelo Dutra da Silva –
 O cultivo florestal ainda representa a maior ameaça para o sistema campestre do Pampa, formando barreiras, dividindo ou fragmentando o espaço aberto natural. Mas esse está sendo o momento especial da soja, que está supervalorizada no mercado. Muitos produtores estão tentando aproveitar esse momento e o que se vê é soja plantada por toda parte. A soja é uma cultura antiga no Pampa, muito comum na região norte do estado. Entretanto, nunca se viu tamanha produção. Chega a impressionar o volume de áreas convertidas. Lugares em que até então só se viam pastagens cultivadas ou outros tipos de cultura, agora estão cobertos por um único e contínuo tipo cultural, formando um espaço homogêneo. Sem dúvida essa simplificação da paisagem não é uma coisa boa, mesmo em áreas cultivadas. O bom da história é que não é uma conversão permanente: em seguida a soja será colhida e outras atividades começam a preencher o mosaico. Enquanto esse grão continuar valorizado, vamos ver a atividade se expandindo ano após ano. Um aspecto negativo dessas supervalorizações é que elas conduzem o investimento na direção da cultura valorizada, em detrimento das outras atividades econômicas, que enfraquecem ou perdem força, numa perigosa tendência de tudo passar a depender do sucesso de uma única cultura. Além disso, explosões de cultivos podem levar ao frenesi da ocupação de novas fronteiras agrícolas, não importando os riscos que a perda de novos espaços naturais representa para a conservação da biodiversidade.

IHU On-Line – Em que consistiria uma política de planejamento e gestão do território para definir estratégias de controle do uso dos recursos e preservação dos sistemas e da biodiversidade?

Marcelo Dutra da Silva – 
Pergunta difícil! O planejamento do ambiente é um ato administrativo que visa conhecer os fenômenos espaciais em todas as suas faces e que deve partir da investigação e do uso de ferramentas e métodos compatíveis com a prática. Não existe uma receita pronta para a elaboração de propostas de planejamento. Não existe o método melhor ou pior, e geralmente o processo envolve muitas pessoas da comunidade, todas com igual direito de opinar sobre as demandas, numa verdadeira explosão de ideias. Mas esse momento tem um limite, uma vez que sua construção exige conhecimento técnico e o máximo de rigor científico. Então, não há espaço para “achismos” e a qualidade de sua construção depende do emprego de fundamentos teóricos e a participação de técnicos preparados, experientes e que saibam o que estão fazendo. De boas intenções o inferno está cheio! De outra parte, o planejamento ambiental não se prende apenas aos aspectos naturais do espaço, mas também àqueles aspectos históricos, culturais, sociais e econômicos.

No fundo, o planejamento é um belo exercício de compreensão das relações homem/natureza e de como elas ocupam e transformam (e são transformadas pelo) espaço. No momento, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente – SEMA do Rio Grande do Sul trabalha na construção do termo de referência que deverá balizar a construção doZoneamento Ecológico Econômico do Estado  ZEE. Esse é um documento fundamental, que está fazendo muita falta. Deve ser construído o mais rapidamente possível para servir de orientação às decisões, que hoje não seguem um plano estratégico. Sem dúvida, quando o ZEE estiver pronto ele será o maior avanço na política de planejamento e controle do território gaúcho já feito. A partir dele será possível fazer gestão, será possível construir cenários e definir previsões. É preciso que se entenda que os terrenos do sul são heterogêneos, com diferentes potenciais ou capacidades de uso. Não dá para submeter todos os espaços ao mesmo tipo de uso ou à mesma intensidade de uso, pois respondem às intervenções de forma diferente. Então é preciso considerar, além das diferenças, os efeitos que essas mesmas diferenças produzem. Só espero que o RS (por meio da SEMA) envolva as pessoas certas no processo de construção do ZEE.

IHU On-Line – O senhor pode nos explicar essa suspeita de que o Pampa gaúcho talvez não passe de uma zona de transição ou um grande ecótono, entre dois grandes sistemas ou biomas (campos da campanha ou sulinos ao Sul e Mata Atlântica ao Norte)? Quais são as evidências dessa reinterpretação?

Marcelo Dutra da Silva –
 Essa imagem do Pampa, de um espaço heterogêneo e complexo, que reúne e mistura, pelo menos, duas grandes “coisas”, em forte competição, não me sai da cabeça, me perturba e tira o sono. O Pampa vai além do espaço brasileiro, mas olhando apenas para essa porção territorial, do centro ao sul do Rio Grande do Sul, percebe-se uma enorme heterogeneidade, tanto na sua composição litológica quanto nos sistemas que sobre essas se estabeleceram e evoluíram, incluindo as paisagens formadas no processo de ocupação e uso humano. Assim, estou vendo, de um lado (ao norte), o bioma Mata Atlântica, de florestas densas e muito verdes e, de outro, já no Uruguai e na Argentina (ao sul e a oeste), uma extensa área campestre, que ainda se mantém e continua sendo fortemente influenciada pelo clima. E, se estou vendo assim, sobra entre elas um espaço que, a meu ver, é uma grande zona de competição entre sistemas e/ou fisionomias. Podemos chamar de “Zona de Tensão”, ou de “Grande Ecótono”, ou de “Complexo Vegetacional”, ou, ou, ou... Mas o que não dá para chamar é de bioma.

Tenho refletido bastante sobre esse limite. A importância maior desse trabalho, para além do novo olhar que imprimiríamos sobre esse sistema, é que estaremos dizendo que o IBGE e muita gente se equivocou em definir essa grande área como um bioma, sem na verdade ser exatamente isso. Na verdade, não vejo nenhum problema em considerarmos essa região um espaço de transição, pois é o que realmente parece ser: um “Espaço de Transição”.

De qualquer forma, é preciso investigar melhor e ir a fundo nos conceitos. Será preciso um grande trabalho de reunião de evidência e talvez essa hipótese leve um tempo razoável, até que seja aceita e comprovada, quebrando o paradigma vigente. Vale lembrar que esse exercício que estou tentando fazer só está sendo possível porque não estou preso na escala dos organismos e sim num plano mais geográfico, atribuindo atenção para os padrões de heterogeneidade que compõem as grandezas do espaço.

Ao mesmo tempo, com igual importância na consideração, as paisagens formadas nesse espaço parecem fazer parte desse processo de competição entre as fisionomias. Alguns trabalhos mostram que o campo resiste “aí” e ainda não foi superado pelo “mato” porque o nosso esforço sobre áreas abertas permanece vivo e muito forte na identidade do gaúcho, com cultivos e a presença de grandes pastadores no nosso tempo, representados pelo gado.

IHU On-Line – Como o senhor avalia a atuação do governo gaúcho frente às questões ambientais nos ecossistemas regionais?

Marcelo Dutra da Silva –
 Fraca. Temos boas leis, mas carecemos de controle e fiscalização. O estado não tem o aparelho técnico necessário para conter o avanço da degradação. A nossa política de ação ainda é muito modesta, as informações estão soltas e pouca coisa se encontra sistematizada. Também o estado e os municípios fazem pouco uso das universidades, que por outro lado são pouco estimuladas a desenvolver soluções frente aos problemas.

Precisamos reinventar a política ambiental do Rio Grande do Sul, que precisa ser menos pessoal ou menos baseada nas relações pessoais. O mérito por conhecimento precisa ter mais espaço na política ambiental dos estados, sem prejulgamento de partidos ou regulações impostas por interesses às vezes escusos. Afinal, o ambiente é de todos e a coisa pública deve ser tratada com respeito.

PARA LER MAIS:



  • 13/12/2010 - O Pampa padece com a silvicultura. Entrevista especial com Maria Conceição Carrion
  • 31/07/2009 - O pampa alterado. Entrevista especial com Marcelo Dutra da Silva
  • 12/04/2008 - O pampa gaúcho entregue às multinacionais. Entrevista especial com Maria da Conceição Carrion e Flávio Lewgoy
  • 18/01/2008 - Somente 41% do pampa gaúcho está preservado, revela mapeamento do Bioma. Entrevista especial com Heinrich Hasenack
  • 09/12/2007 - Pampa. Um bioma em risco? A plantação de pínus e eucaliptos. Entrevista especial com Antonio Eduardo Lanna
  • 26/01/2007 - Monoculturas podem decretar o fim dos pampas. Entrevista com Glayson Ariel Bencke

  • VEJA TAMBÉM:



  • O pampa e o monocultivo do eucalipto